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Deflagrada há 100 anos, Revolução Russa também mudou o Brasil

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Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido pelo pseudônimo Lênin

Amanhã fará 100 anos que os bolcheviques tomaram o poder em Petrogrado (atual São Petersburgo), a então capital da Rússia, e acabaram mudando drasticamente os rumos da humanidade. Foi o ápice da Revolução Russa.

Numa operação liderada por Lênin e apoiada por operários, camponeses e soldados, os bolcheviques derrubaram o governo provisório em 7 de novembro de 1917 e lançaram o país no socialismo, uma ousada doutrina que prega um mundo sem desigualdade social.

A propriedade privada foi abolida, substituída pela propriedade estatal. Os empresários fugiram para o exterior. As indústrias passaram a ser conduzidas pelos próprios operários. As fazendas mais tarde seriam confiscadas e coletivizadas. O capitalismo, em suma, era varrido do território russo.

— Foi a 7 de novembro de 1917 que chegou ao poder, pela primeira vez na história da humanidade, o proletariado — discursou no Plenário do Senado três décadas depois, em 1946, o senador Luís Carlos Prestes (PCB-DF), o maior nome brasileiro do comunismo (estágio posterior ao socialismo). — A revolução soviética do proletariado levou à liquidação absoluta de toda a exploração do homem pelo homem.

Apesar da ruptura na Rússia, documentos históricos guardados no Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que aquele furacão vermelho não sacudiu de imediato o Palácio Conde dos Arcos, que era a sede do Senado, no Rio de Janeiro. Nos papéis que relatam as sessões plenárias de fins de 1917, não se encontra nenhum discurso de senador a respeito da Revolução Russa.

A apatia tem explicação. Àquela altura, o Brasil tinha uma questão doméstica mais urgente. Quando os bolcheviques assaltaram o Palácio de Inverno, em Petrogrado, os senadores estavam integralmente debruçados sobre um projeto do presidente Wenceslau Braz que decretava estado de sítio em todo o país. Fazia poucos dias que o Brasil decidira entrar na 1ª Guerra Mundial, depois de a Alemanha torpedear um navio brasileiro.

O projeto do estado de sítio era delicado porque suspendia uma série de direitos dos cidadãos durante o período de guerra, com vistas a garantir a manutenção da ordem pública.

Anarquismo

Os papéis do Arquivo do Senado mostram que os parlamentares reagiriam aos poucos à Revolução Russa, no decorrer dos anos seguintes, sempre no sentido de impedir que algum levante inspirado na revolução bolchevique pusesse o Brasil no trilho comunista.

Numa frente, os senadores votaram projetos de lei que enquadravam como bandidos os líderes operários com ideias revolucionárias. Em outra frente, aprovaram os primeiros direitos trabalhistas do país, de modo a amenizar a exploração nas fábricas e baixar a fervura das agitações operárias.

Na época da Revolução Russa, o mais próximo do socialismo e do comunismo que existia no Brasil era o anarquismo (doutrina que defende o fim do Estado), disseminado nas fábricas nacionais especialmente por imigrantes italianos e espanhóis. Com o objetivo de esmagar tais elementos, o senador Adolfo Gordo (SP) apresentou dois projetos de lei em 1920.

O primeiro facilitava a expulsão dos estrangeiros “nocivos à ordem publica ou à segurança nacional”. O segundo previa o fechamento dos sindicatos que incorressem em “atos nocivos ao bem público” e a prisão das pessoas que incitassem crimes “com o fim de subverter a atual organização social”.

— Na formidável luta que movem contra o anarquismo, os Estados modernos promulgam numerosas leis especiais definindo os seus crimes e cominando penas severíssimas, inclusive a de morte — argumentou Gordo, impedido pela Constituição de 1891 de incluir a pena capital em seu projeto.

Insuflados pelos anarquistas, os trabalhadores da nascente indústria brasileira já haviam mostrado a patrões e governantes que, se quisessem, também conseguiriam fazer uma revolução. Em julho de 1917, às vésperas do clímax da Revolução Russa, uma greve geral paralisou São Paulo, deixando a cidade ingovernável por vários dias. Em novembro de 1918, uma insurreição semelhante explodiu no Rio — esta, sim, espelhada nos bolcheviques.

Os dois projetos de Adolfo Gordo contra os anarquistas foram rapidamente aprovados pelo Senado e pela Câmara e viraram lei, sancionados pelo presidente Epitácio Pessoa em 1921.

As preocupações do poder público não acabaram ali. O comunismo logo desembarcaria no país, com a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922 — ano da formação da União Soviética. O governo partiu para o contra-ataque. Mal nasceu, o PCB foi posto na ilegalidade por Epitácio.

O Congresso Nacional também reagiu. Em 1923, o deputado Aníbal de Toledo (MT) redigiu um projeto que determinava o confisco de jornais e de sindicato que atentassem contra “a ordem e a moralidade”. Usando como argumento a chegada do comunismo ao Brasil, o senador Aristides Rocha (AM) defendeu a aprovação do projeto:

— Sabe-se que a Terceira Internacional [organização que reunia os partidos comunistas do mundo] resolveu intensificar a propaganda comunista na América do Sul, escolhendo o Brasil para centro de suas operações. O governo está informado de que a Terceira Comunista liberou créditos não só para o custeio da propaganda, mas também para a compra de armas e explosivos. É necessário dar ao chefe do Estado meios para evitar o mal, dotando-o com instrumentos de natureza enérgica para opor um paradeiro às insensatas aspirações comunistas.

Houve resistências. O senador Antônio Moniz (BA) atacou o projeto:

— Não há sofisma capaz de disfarçar a inconstitucionalidade dessa medida, que atenta contra a livre manifestação do pensamento. Além disso, o que há são vãos temores. No Brasil não existe o perigo bolchevista. O bolchevismo não se adapta ao nosso meio, que nenhum preparo possui para acolhê-lo e aclimatá-lo. A nossa situação não tem identificação com a da Rússia.

O argumento não convenceu. A censura aos jornais de sindicatos foi aprovada pelo Senado e pela Câmara e recebeu a assinatura do presidente Washington Luís em 1927.

Queda do czar

A Revolução Russa se dividiu em duas etapas. A primeira ocorreu em março de 1917, com a abdicação do czar Nicolau II. A conflagração que acabaria com quatro séculos de Monarquia era inevitável. Os camponeses pediam reforma agrária. Os operários, melhores salários e condições de trabalho. Os soldados, a retirada imediata da Rússia da 1ª Guerra Mundial. Os intelectuais, a criação de instituições democráticas. O último czar (a palavra se origina do latim Caesar) fazia ouvidos surdos: reinava de forma despótica e reprimia a bala a população que fazia protestos por mudanças.

No entanto, os revolucionários que forçaram a abdicação do czar e formaram o governo provisório se mostraram incapazes de melhorar a situação do país. A Rússia permaneceu na 1ª Guerra, sofrendo derrotas humilhantes. Em novembro de 1917, os bolcheviques se aproveitaram da insatisfação generalizada e, com o respaldo dos trabalhadores e soldados, tomaram o poder. Foi uma revolução dentro da revolução. Começava, assim, a segunda etapa da Revolução Russa, a que tornou o país socialista.

No Brasil, até o final da década de 1910, os patrões exploravam sem pudor os subordinados. Em geral, os empregados trabalhavam mais de 12 horas por dia e recebiam salários irrisórios. Não havia férias nem aposentadoria. Muitas vezes, os ambientes de trabalho eram insalubres.

— O proletariado nacional não tem recebido a menor lei que o ampare — denunciou o deputado Maurício de Lacerda (RJ) em 1917. — Vários projetos de lei pejavam o seio do Congresso, mas todos eles, preocupados com o efeito eleitoral, deixaram o problema sem solução, pois entregaram as soluções reclamadas pelos trabalhadores aos regulamentos do Poder Executivo, que só podia representar os patrões.

Não era uma realidade muito diferente da que moveu o operariado russo a apoiar a revolução em 1917. Para domar os trabalhadores, o governo brasileiro se viu obrigado a aprovar as primeiras leis trabalhistas do país.

Em 1923, o senador Irineu Machado (DF) apresentou um projeto que limitava a carga de trabalho nas fábricas a 8 horas por dia ou 48 horas por semana. No mesmo ano, o Congresso aprovou uma lei que criava as bases do sistema de aposentadorias e, ao mesmo tempo, impedia as demissões arbitrárias.

Em 1927, uma lei proibiu o trabalho das crianças de até 11 anos e reduziu a exploração dos adolescentes. Estes últimos não poderiam trabalhar à noite nem em locais perigosos, como minas e pedreiras. É da mesma época a lei que transformou o 1º de maio no Dia do Trabalho no país. A proposta de feriado foi apresentada pelo senador Irineu Machado em 1922 e sancionada pelo presidente Arthur Bernardes em 1924.

— A burguesia fez concessões no campo da legislação trabalhista, mas não porque fosse boazinha. Ela foi obrigada a ceder. O exemplo da Revolução Russa assustava as classes dominantes — explica a historiadora Anita Leocadia Prestes, filha do líder comunista Luís Carlos Prestes e autora do livro recém-lançado Olga Benario Prestes – uma comunista nos arquivos da Gestapo (Boitempo Editorial).

Duas ditaduras

A Revolução Russa continuou ecoando ao longo das décadas. As leis trabalhistas dos anos 1920 foram o primeiro passo para que o Brasil caminhasse em direção a um Estado de bem-estar social. O governo logo passaria a cuidar mais da população, oferecendo serviços públicos como saúde e educação.

No lado político, por outro lado, as repercussões da ascensão bolchevique em Petrogrado seriam catastróficas. Foi em reação à ameaça vermelha (ou à suposta ameaça vermelha) que o Brasil mergulhou em suas duas ditaduras.

Em 1937, Getúlio Vargas deu o golpe do Estado Novo na esteira da descoberta do Plano Cohen, um documento contendo a estratégia dos comunistas para fazer a revolução no Brasil. Mais tarde, descobriu-se que o plano era falso, apenas um pretexto para Vargas assumir poderes ditatoriais.

Em 1964, os militares derrubaram João Goulart e impuseram a ditadura como forma de deter as reformas de base do presidente, que incluíam a reforma agrária e a estatização das refinarias privadas de petróleo — medidas associadas ao comunismo.

Moscou conseguiu atrair inúmeros países para a sua órbita de influência, como Cuba, China, Coreia do Norte, Afeganistão, Etiópia, Angola e Polônia. A disputa ideológica entre União Soviética e Estados Unidos deu origem à Guerra Fria, que espalhou conflitos armados e ditaduras pelo mundo e deixou a humanidade à beira de uma guerra nuclear. A primeira experiência socialista do mundo duraria 74 anos. O sonho dos bolcheviques chegou ao fim em 1991, com o esfacelamento da União Soviética e o regresso da Rússia ao capitalismo.

Artur Hugen, com Agência Senado/Fotos: Divulgação