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Qualidade da alimentação está na pauta do Congresso e do Executivo

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Senado homenageou os 70 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO)

O Brasil vive as contradições típicas de países em desenvolvimento no que se refere à alimentação: ainda tem áreas atingidas pela fome, mas sua população pobre já sofre de obesidade. Por outro lado, a despeito da enorme produção agrícola, desperdiça em média 28% na fase do consumo, incluindo aí hortaliças, arroz, feijão e carnes.

A qualidade da alimentação tem sido também fonte de disputas que envolvem rotulagem e uso de agrotóxicos.

Do ponto de vista formal, o país até tem do que se orgulhar: a partir de fevereiro de 2010, incluiu na Constituição a ingestão de alimentos como direito social (artigo 6º). Cumpre assim o artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, assinada pelo Brasil.

Não pode deixar de ser mencionado, ainda, o fato de que o país adota políticas públicas direta ou indiretamente destinadas a diminuir a fome e a desnutrição em todos níveis da federação. Em 2015, durante homenagem no Senado aos 70 anos de criação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o país foi apontado como exemplo por ter alcançado sucesso no combate à fome e à pobreza extrema, em decorrência de incentivos ao desenvolvimento rural, do apoio à pesquisa e à extensão agrícola e pecuária e ainda de programas de inclusão social como o Bolsa Família.

 

Na ocasião, o representante da FAO, Alan Bojanic, observou que o país, desde o ano anterior, não fazia mais parte do mapa da fome das Nações Unidas. Isso significa que menos de 5% da população brasileira estava nessa condição.

“Já não é um problema estrutural, e sim de focalizar nos grupos mais vulneráveis que ainda existem. Não é um problema endêmico da sociedade brasileira”, explicou Bojanic, de acordo com a Agência Senado.

Tanto a continuidade ou reestruturação de políticas públicas na área de alimentação e nutrição quanto a mudança de normas de rotulagem e uso de pesticidas farão parte da extensa agenda legislativa de um Congresso renovado pelas urnas e do presidente da República que assumirá o cargo em janeiro.

Esses novos governantes encontrarão em andamento uma agenda de compromissos assumida pelo país a partir da adesão à Década de Ação das Nações Unidas sobre Nutrição (2016-2025), que tem como objetivo estimular ações intensificadas para acabar com a fome e assegurar o acesso universal a dietas mais saudáveis e sustentáveis para as pessoas.

O Brasil se tornou o primeiro país a assumir compromissos relevantes, tendo como horizonte o ano de 2019, a partir do chamamento da ONU: deter o crescimento da obesidade na população adulta (que atualmente está em 20,8%); reduzir o consumo regular de bebidas adoçadas com açúcar em pelo menos 30% na população adulta; e ampliar em no mínimo 17,8% o percentual de adultos que consomem frutas e hortaliças regularmente.

Para demonstrar que está disposto a cumprir esses compromissos, o governo brasileiro tem anunciado alguns esforços. Em maio, sancionou a Lei 13.666/2018 com o objetivo de estabelecer que a educação alimentar e nutricional seja incluída nos currículos escolares de alunos do ensino fundamental e médio de instituições de ensino público e privado.

Outra iniciativa do Executivo é um projeto em parceria com a indústria que estipula metas de redução de açúcar em alimentos processados, como refrigerantes, biscoitos e achocolatados, de acordo com recente anúncio do ministro da Saúde, Gilberto Occhi.

No Senado, está em tramitação o Projeto de Lei (PLS) 346/2018, que poderá proibir a distribuição e venda de bebidas como refrigerantes, néctares, refrescos, chás prontos para o consumo e bebidas lácteas nas escolas de educação básica públicas e privadas. O projeto, de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), está em análise na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

Já os alimentos com alto teor de sódio poderão ter no rótulo ou na embalagem advertência ao consumidor sobre essa característica. Projeto com esse objetivo foi apresentado pelo senador Paulo Bauer (PSDB-SC). O PLS 392/2018 altera o Decreto-Lei 986, de 1969, para estabelecer que a autoridade sanitária deverá indicar quais alimentos apresentam elevado teor de sódio em sua composição nutricional.

Controvérsias

Outra questão atual é a preocupação com a quantidade de agrotóxicos que o brasileiro ingere. Também conhecidos como defensivos agrícolas, os agrotóxicos são substâncias químicas utilizadas há décadas para combater pragas e doenças nocivas à produção agropecuária.

O assunto é bastante controverso. Segundo dossiê publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros apresenta resíduos de agrotóxicos, de acordo com análise de amostras coletadas em todos os 26 estados do Brasil, realizada pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Anvisa (2011). Nada menos que 63% das amostras analisadas apresentaram resíduos, sendo que 28% apresentaram produtos não autorizados para aquele cultivo e/ou ultrapassaram os limites máximos de resíduos considerados aceitáveis. Outros 35% apresentaram contaminação por agrotóxicos, porém dentro dos limites.

"Se esses números já delineiam um quadro muito preocupante no concernente à saúde pública, eles podem não estar ainda refletindo adequadamente as dimensões do problema" alertam os autores do dossiê. Isso porque há muita incerteza científica na definição dos limites aceitáveis, já que os 37% de amostras sem resíduos se referem a produtos pesquisados (235 em 2010), o que não permite afirmar a ausência dos demais (cerca de 400), inclusive do glifosato, largamente utilizado (40% das vendas) e não pesquisado no PARA.

O sistema Único de Saúde (SUS) notificou 34.147 intoxicações por esses produtos entre 2007 e 2014. Esses e outros dados, incluindo o faturamento da indústria de agrotóxicos (R$ 12 bilhões em 2014), colocam o país, desde 2008, na posição de maior mercado mundial de agrotóxicos.

Dados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), mostram, no entanto, que quase 99% das amostras de alimentos analisadas pela Anvisa, entre 2013 e 2015, estavam livres de resíduos que representam risco agudo para a saúde.

O risco agudo está relacionado às intoxicações que podem ocorrer dentro de um período de 24 horas após o consumo do alimento que contenha resíduos.

Segundo a Anvisa, um dos alimentos com maior quantidade de amostras analisadas foi a laranja. A fruta está exposta, por exemplo, ao carbofurano, que passa por processo de reavaliação na Anvisa. É a substância presente nas amostras que mais preocupa quanto ao risco agudo.


O carbendazim é outro que merece atenção quanto ao risco agudo. Os resultados do programa revelaram que em 5% das amostras de abacaxi há potencial de risco relacionado à substância.

Em debate na Câmara dos Deputados, a própria Anvisa, que é consultada previamente à liberação de agrotóxicos, informa que esses produtos estão enquadrados como "questão de saúde pública" por potencialmente causarem câncer e mutação genética.

Presente ao debate, a pesquisadora Márcia Sarpa, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), advertiu que "não existe limite seguro de exposição” a agrotóxicos. “É totalmente antiético deixar no mercado um produto que pode levar a malformações congênitas", afirmou, conforme a Agência de Notícias da Câmara.

Em entrevista ao programa Cidadania, da TV Senado, a nutricionista Camila de Moura, mestre em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, alerta para os riscos de contaminação. “Nós acabamos ingerindo metais pesados como o chumbo e isso pode gerar algumas alterações relacionadas à baixa imunidade e algumas alterações de patologia no nosso organismo”, explica.

A especialista ressalta que agrotóxicos nos alimentos não podem ser eliminados por procedimentos domésticos como a lavagem ou a retirada da casca, por exemplo. Os alimentos orgânicos são a melhor saída, acrescenta.


Proibido no início de agosto, o uso do agrotóxico glifosato voltou a ser liberado pela Justiça em setembro. Esse é mais um capítulo da discussão que cerca o uso dos defensivos agrícolas, tema que envolve não só agricultura, mas também segurança alimentar, saúde e meio ambiente.

O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) argumenta que o uso de defensivos agrícolas é fundamental para garantir produtividade no campo e dar conta da demanda crescente de alimentos em razão do aumento da população mundial.

A polêmica se ampliou em 25 de junho com a aprovação pela comissão especial da Câmara de parecer do deputado Luiz Nishimori (PR-PR) ao Projeto de Lei 6299/02. O relatório rechaça a palavra agrotóxicos, adota o termo pesticida e prevê que esses produtos possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura mesmo se outros órgãos reguladores, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Anvisa não tiverem concluído análises sobre os eventuais riscos. A matéria seguiu para o Plenário. Se aprovada, virá ao Senado.

A aprovação está sendo condenada por parlamentares e membros da comunidade científica que defendem o estabelecimento da Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (PL 6670/16) em contraposição ao que chamam de "pacote do veneno", o PL 6299/02.

Uma das propostas em análise no Senado veda a pulverização aérea de pesticidas e proíbe o registro de agrotóxicos que tenham como ingredientes ativos glifosato, triclorfom, carbofuran, cihexatina, abamectina, fosmete e lactofen. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 541/2015, do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), foi aprovado na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e aguarda votação na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).

Na linha do PL 6299, o PLS 209/2013, visa atualizar o marco regulatório dos agrotóxicos no Brasil para otimizar o processo de registro dos produtos. Caso a decisão seja favorável, a formalização do registro deve ser feita dentro de 15 dias. Para o autor, ex-senador Ruben Figueiró (MS), “sem tal medida seria impossível se ter maior efetividade ao agronegócio brasileiro”.


Veja outros projetos sobre o assunto:

Alergias alimentares

Problema de visibilidade mais recente que a desnutrição e a contaminação por venenos, as alergias alimentares são doenças caracterizadas pela manifestação do sistema imunológico após a ingestão ou contato com certos alimentos. As reações incluem urticária, inchaço, coceira, eczema, dor abdominal ou até mesmo fechamento das vias respiratórias e comprometimento de órgãos.

O Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar de 2018, atualizado em abril deste ano, indicou que as alergias alimentares já são consideradas um problema de saúde pública, pois a sua incidência tem aumentado em todo o mundo. A estimativa é de que elas afetem cerca de 6% das crianças com menos de três anos de idade e 3,5% da população adulta.

Um acontecimento que chamou a atenção para o assunto foi o caso de uma adolescente britânica que sofreu uma reação alérgica mortal em um avião após ingerir um sanduíche que continha sementes de gergelim não visíveis na massa do pão. Natasha Ednan-Laperouse era alérgica a gergelim e não tinha como saber que o sanduíche continha tal ingrediente.

No Brasil, uma resolução da Anvisa de 2016 determina que embalagens de comidas e bebidas devem obrigatoriamente fornecer informações sobre a presença de substâncias que podem causam alergias.

No Senado, tramitam dois projetos que buscam melhorar a qualidade de vida das pessoas com alergias alimentares por meio do esclarecimento e conscientização do tema. A primeira proposta, PLS 308/2018, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), estabelece a criação da Semana Nacional de Conscientização Sobre a Alergia Alimentar.

Também de autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), o PLS 155/2014determina a indicação dos alergênicos mais comuns em rótulos de alimentos. como leite, ovos, peixes, crustáceos, moluscos, castanhas, amendoim, trigo e soja. “Com um simples aviso no rótulo do alimento, vários desconfortos ou ocorrências médicas podem ser evitados de maneira efetiva e com custo adicional praticamente nulo para os fabricantes de alimentos”, destaca o autor do projeto.

Prazo de validade

Outro fator importante que deve ser analisado para se ter uma boa alimentação é o prazo de validade dos alimentos. De acordo com o PLC 135/2017, a informação deve estar facilmente legível e ser destacada, caso a data máxima para consumo expire em até sete dias. A proposição, já aprovada na Câmara dos Deputados, aguarda votação na Comissão de Transparência e Defesa do Consumidor no Senado (CTFC).

Saiba mais:

Artur Hugen, com Agência Senado/Foto: Geraldo Magela/AS
Veja expediente abaixo: