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Como fazer delações e influenciar sentenças: o manual, escreve Mario Rosa

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A delação randômica seria como um programa do Silvio Santos, dentro de uma cabine, respondendo sem saber qual a pergunta, diz Mario Rosa

Um dos aspectos do mundo moderno é que ele é cada vez mais competitivo. Então, é preciso se atualizar continuamente, estar pelo menos um ou dois passos à frente dos demais concorrentes se você realmente quer prosperar num ambiente onde a disputa é sempre mais acirrada.

Se você pretende se tornar um delator ou pelo menos quer estar preparado para isso se uma necessidade surgir, a primeira regra de ouro é: esqueça tudo o que você viu até agora e desenvolva um olhar inovador. Pois os delatores do futuro, como tudo, terão de se revolucionar se quiserem realmente fazer a diferença.

Colunistas têm que buscar assuntos que tenham leitores interessados. E nunca houve tantos delatores no Brasil. Então, por que não fazer uma coluna para eles? Talvez isso abra até um novo filão para mim. “O mago das delações” ou um best seller “Como fazer delações e influenciar sentenças”. Posso ser chamado para dar palestras, entrevistas.

Sinto que a delação deixou de ser há muito tempo apenas um recurso processual. Virou quase um estilo de vida. Então, essa manifestação cultural precisa ser também discutida nos planos doutrinários e comportamentais.

O delator do futuro não poderá ser o amador como os primatas da delação. O que vimos foram pessoas que se tornaram delatores sem qualquer planejamento de carreira, tudo no improviso. Resultado: documentação precária ou recuperação documental às pressas, uso de codinomes, milhares de planilhas e computadores destruídos, queimados, jogados ao mar, pagamentos em dinheiro, relatos de diálogo mas sem gravações ou vídeo. Isso é passado.

O delator do futuro é um profissional da delação que já entra no Enem com aquele sonho: eu quero ser delator. E a profissão que escolher será um mero meio para alcançar essa grande realização de vida. Então, desde sempre, ele estará formando um banco de dados equivalente a uma bomba nuclear. O cogumelo atômico será o dia em que deflagrar a sua tão sonhada e tão bem organizada delação.

Nada de improviso, nada de naturalidade. Ele será um espião infiltrado e se lançará permanentemente em complôs, armações, conversas suspeitas, negociatas, se aproximará de poderosos, sempre com o objetivo de registrar tudo. Sua meta não pode ser a menos ambiciosa: apresentar 30, 40 anos de provas incontestáveis de como tudo e todos são absolutamente condenáveis.

Seu trabalho será tão exímio que provocará um enfarto institucional em todas as polícias, tribunais e prisões do país. Faltarão camburões, faltarão agentes para cumprir tantos mandados, faltarão juízes para assinar tantas cautelares, faltarão celas para acomodar tantos delinquentes.

O delator do futuro não pode ser pontual. Tem de agir de forma sistêmica. Para isso, tem que andar sempre com o colete mais moderno de gravação de conversas –e inclusive dormir com ele. Tem de usar a câmara de última geração para gravar tudo onde estiver. Sua casa é um estúdio. Seu escritório também. Ele deve estar sempre se perguntando: o que um outro delator pode estar fazendo melhor do que eu? Sim, porque é assim.

É uma guerra darwiniana: se a do outro for melhor, a sua não vai ser homologada. Por isso, comece agora. Treine seus filhos, sua família, seus vizinhos. E conte sempre comigo e com este manual “Como fazer delações e influenciar sentenças”. E termino com a primeira frase inspiracional de nosso guia: você pode!

A propósito, só mais um aspecto para este formidável guia: a delação randômica

Um manual que se preze não pode ser apenas instrutivo. Tem de ser propositivo também. Então, estou oferencendo a minha contribuição pessoal para o debate, a delação randômica. Antigamente, havia um quadro no programa Silvio Santos em que o convidado era colocado numa cabine e, sem ouvir o que era perguntado, respondia sim ou não. “Você quer um milhão de reais?” e ele podia responder: “não!”. “Você quer trocar o carro novo por uma bolinha de gude?” e ele dizia talvez “sim!”.

A delação randômica poderia seguir o mesmo princípio: nada seria mais impessoal. O delator nem saberia quem está delatando. Alguns chamariam isso de loteria com o destino alheio, mas na verdade seria a imparcialidade levada ao seu nível máximo.

Artur Hugen, com Poder 360/Foto: Reprodução YouTube-SBT