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Após manobra de Lira, Câmara conclui votação da PEC Eleitoral. Governo pode gastar R$ 41,2 bi até o fim do ano

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Após manobras do presidente da Câmara, Artur Lira(PP-AL), sem modificações conseguiu dar vitória ao governo

Com mais dificuldade e percalços pelo caminho do que o governo imaginou, a Câmara dos Deputados concluiu, na noite desta quarta-feira, a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral, que autoriza o governo a gastar R$ 41,2 bilhões para conceder benefícios a menos de três meses das eleições. Segundo o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, os novos benefícios devem começar a ser pagos no dia 9 de agosto.

A PEC institui um estado de emergência no Brasil, para driblar a lei eleitoral e regras fiscais. Como não houve mudança, a proposta segue para promulgação, o que deve ocorrer ainda nesta semana.

 

Para aprovar o texto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apostou em sessões extras para acelerar o prazo de contagem para a votação em comissão especial, fatiou a votação do piso da enfermagem para prender o quórum da oposição, suspendeu uma sessão para garantir o quórum e depois baixou um ato da mesa para liberar o registro de presença virtual dos deputados. Ainda assim, precisou de quase 9 horas votando o texto para conseguir entregar a vitória ao governo.

 

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Foram 488 votos, e 469 deputados votaram para aprovar a PEC em segundo turno. Outros 17 parlamentares votaram "não" e houve duas abstenções. Os deputados rejeitaram dois destaques, emendas que podem alterar o texto, no segundo turno.

O primeiro destaque rejeitado tratava justamente do estado de emergência, e foi proposto pelo PT. O outro rejeitado foi proposto pelo Psol, para retirar o prazo de cinco meses para pagamento do valor extra ao Auxílio Brasil.

A manobra de Lira para permitir o registro de presença virtual foi o que garantiu ao governo quórum suficiente para barrar as mudanças pretendidas pela oposição e aprovar a proposta. Com isso, durante a tarde, a Câmara aprovou a PEC em primeiro turno.

A PEC faz parte dos planos de Jair Bolsonaro para alavancar a campanha eleitoral. A medida amplia benefícios como o Auxílio Brasil e cria outros como o “Pix Caminhoneiro”, liberando gasto total de R$ 41,2 bilhões à revelia do teto de gastos às vésperas da eleição, instituindo um estado de emergência.

Este foi um dos pontos mais polêmicos do projeto. O PT propôs um destaque para retirar a menção ao estado de emergência da PEC. Na avaliação do partido, isso seria dar um cheque em branco ao presidente Jair Bolsonaro. Já para o governo, era crucial manter esse dispositivo, o que garante uma blindagem ao presidente.

Pela manhã, em um primeiro momento, Lira tentou reabrir a sessão interrompida na terça-feira por questões técnicas, para garantir que haveria quórum para a votação. Mas, diante de pedidos da oposição e do partido Novo para que a sessão de terça-feira fosse interrompida, já que o regimento prevê suspensão de sessões por no máximo uma hora, Lira recorreu a um subterfúgio.

Ele encerrou a sessão, convocou uma nova, mas baixou um ato da Mesa para assegurar que deputados que já saíram de Brasília possam garantir o quórum, permitindo o registro remoto de presença. Atualmente, essa modalidade só pode ocorrer às segundas e sextas. Com isso, deputados que estiverem fora de Brasília puderam votar e marcar presença.

A votação virtual foi fundamental para a pretensão do governo de manter na PEC o estado de emergência A suspensão da sessão da Câmara por problemas técnicos na véspera ocorreu justamente no momento em que o tema era votado, e para a oposição havia risco de derrubada desse trecho.

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O governo queria aprovar o projeto o quanto antes para antecipar os pagamentos dos benefícios. O "pacote de bondades" vai durar até dezembro e não terá problemas com as legislações fiscal e eleitoral por causa desse estado de emergência.

Oposição questiona manobra

A discussão em plenário para a aprovação da PEC foi longa: mais de 7 horas para aprovar o texto em segundo turno.

Para vários parlamentares da oposição, apesar do problema técnico, a decisão de suspender a sessão de terça-feira está relacionada ao problema de quórum: apesar de ser maioria, o governo não teria votos suficientes para barrar as mudanças propostas pela oposição em seus destaques, especialmente a questão do estado de emergência.

O líder da minoria, Alencar Santana (PT-SP), disse que se fosse governista teria vergonha de aprovar uma PEC da maneira como a Câmara está tratorando.

— É uma proposta que o governo considera tão importante, tão importante, que os seus deputados não estão aqui para aprovar esta matéria. Não estão presentes, não deram presença no plenário. Criou-se uma situação extraordinária, para que eles possam, de onde estiverem, depositar o seu voto. É lamentável! — afirmou em plenário.

Ele também criticou a interrupção da votação do destaque sobre o estado de emergência na terça-feira, porque se tivesse ocorrido, a oposição teria chance de derrubar a mudança:

— O tal estado de emergência, uma coisa não existente na Constituição, porque não trata somente do aumento do auxílio que está se criando, mas, criando-se o estado de emergência, teria sido derrotado. Ouvi aqui Deputados falando, cochichando conosco: "Gostaria de estar votando contra o estado de emergência, porque, de fato, isso é perigoso".

O deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) criticou a manobra e o caráter eleitoreiro da PEC, que usa a pobreza para criar um estado de emergência quando a preocupação é com o resultado das urnas a 80 dias da eleição.

— Nós sabemos que não há neste plenário 308 votos para derrotar a primeira emenda presencial, daí a necessidade de mudar a regra do jogo durante o jogo, para que o novo painel possa ser eletrônico. Não há problema. O painel pode ser só eletrônico ou pode ser só presencial. O problema é mudar isso para ganhar uma votação — afirmou.

Os problemas do quórum da base governista também foram destacados por Glauber Braga (Psol-RJ) em plenário:

— O fato é que até se conseguiria o quórum de 308 votos, quanto a isso não haveria dificuldade. Mas não conseguiria os 38 votos, ontem, para derrotar o destaque do PSB e o destaque do PSOL, que garantem uma política de natureza permanente, e não só uma política eleitoral.

O deputado Paulo Ramos (PDT-RJ) fez uma crítica direta ao comportamento de Lira, que avaliou estar agindo mais como líder do governo do que como presidente da Câmara:

— Vossa excelência tem se comportado aqui na Casa muito mais como Líder do Governo do que como Presidente da Câmara dos Deputados, tem controlado o quórum nesta Casa sempre com mãos de ferro, inclusive ameaçando o corte de ponto, ameaçando cortar salário de Deputado. Eu sugiro a vossa excelência que reavalie, pelo menos até o final do ano, para o bom nome da Câmara dos Deputados, que quem preside a Câmara não pode ser Líder do Governo.

O deputado Thiago Mitraud (Novo-MG) também questionou a manobra de Lira e disse que a mudança era casuística:

— Sabemos que, quando se vota uma PEC, o interesse de colocar um quórum maior é somente de quem quer aprová-la. Afinal de contas, não interessa o número de votos contrários à PEC, só interessa o número de votos favoráveis. Então, cada voto extra conta para quem quer aprová-la, e essa mudança no Ato da Mesa de ontem para hoje veio simplesmente para beneficiar e facilitar a aprovação dessa PEC.

O que está em jogo na PEC?

A PEC Eleitoral é considerada muito importante não só para o governo, mas principalmente para a campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, que tem tido dificuldades de se aproximar do líder das pesquisas, o ex-presidente Lula.

A proposta viabiliza um pacote que cria e amplia uma série de benefícios sociais a menos três meses da eleição, mas que pode ter consequências muito mais sérias do que as "bondades" de caráter eleitoreiro. O governo pretende ampliar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, turbinar o vale-gás e criar o “Pix Caminhoneiro” de R$ 1 mil, por exemplo.

A proposta fere regras fiscais e piora as contas públicas ao permitir gastos extraordinários que somam R$ 41,2 bilhões. A instituição de um estado de emergência prevista na proposta permite burlar não só regras fiscais como o teto de gastos, mas também eleitorais, já que a concessão de novos benefícios perto da eleição reduz o princípio de igualdade de condições entre os candidatos no pleito.

A legislação proíbe a concessão de aumento ou a criação de benefícios em ano de eleição, abrindo exceção apenas em casos de calamidade ou emergência. Para contornar isso, o texto articulado pelo governo no Congresso prevê, então, o estado de emergência relacionado ao preço dos combustíveis, após as sucessivas altas.

DA Redação com texto Fernanda Trisotto/O GLOBO — Brasília