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Um ano após enchentes, RS se reergue temendo novos desastres

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As enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul atingiram 600 escolas ao redor do estado, das quais oito continuavam fechadas um ano depois

Em 27 de abril de 2024, começavam as maiores chuvas da história do Brasil, que assolariam numa escala sem precedentes o Rio Grande do Sul. Um ano depois, as áreas afetadas ainda tentam reerguer a infraestrutura e a economia, que foram devastadas pelas enxurradas, um evento climático extremo ao qual o estado é altamente vulnerável.

Para os gaúchos, entretanto, o desafio é também psicológico: se recuperar do rastro de traumas deixados para trás pelas enchentes, num estado não totalmente preparado para um hipotético novo desastre.

A DW percorreu o Rio Grande do Sul para conhecer esforços de reconstrução e ouviu, em diferentes cidades e regiões, os relatos de quem ainda não pode evitar ser tomado pelas memórias daqueles dias ao ouvir o som de raios, ventos ou chuvas. 

"A gente acorda de madrugada apreensivo. Começa a passar um filme na cabeça das pessoas", diz Sandro Pereira da Silva, morador e líder comunitário de Muçum, no Vale do Taquari. A cidade de 4,5 mil habitantes ficou isolada no ano passado. 

Estresse pós-traumático

Ao longo de infindáveis dez dias, ruas em todo o estado foram inundadas, casas e prédios foram arrastados e pontes e estradas, destruídas. Os deslizamentos e quedas de barreiras levaram lama, sujeira e entulhos para os centros das cidades. Bairros inteiros foram levados pelas enxurradas, e os resgates dramáticos se prolongaram por semanas.

Seis meses mais tarde, um estudo do Hospital das Clínicas de Porto Alegre apontou que 40% dentre 5 mil entrevistados sofriam sintomas de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.

"Às vezes, no meio da noite, eu acordava e eu colocava a mão no chão para ver se não tinha água onde eu ia descer da cama”, conta Mônica Schuster, de Cruzeiro do Sul.

A contagem oficial dá conta de 183 vidas perdidas. Vinte e sete pessoas ainda estão desaparecidas em 15 cidades, e outras 150 permanecem num abrigo da Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com o governo estadual em Porto Alegre. 

"Cada vez que chove, venta ou tem um temporal aqui, as pessoas ainda ficam em pânico", relata Sylvia Moreira, coordenadora de emergência da Organização Internacional para as Migrações (OIM) no Rio Grande do Sul. Parte dos abrigados espera a liberação de moradias temporárias pelo governo estadual, bem como oportunidades de emprego e formação.

Casas e empresas abandonadas

Dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, 478 foram afetados em alguma medida pela catástrofe, o equivalente a 95%, segundo a Defesa Civil. Com quase 350 mil habitantes, a cidade de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, teve 31 óbitos provocados pela enchente, o maior número no estado. 

O bairro Mathias Velho, com mais de 40 mil habitantes, foi o mais atingido. Ficou embaixo d'água. 

"Nós ainda encontramos casas fechadas de pessoas que não quiseram voltar", relata o líder comunitário Alex Abel, estimando que 70% dos moradores do bairro tenham retornado. "Elas têm medo de que isso aconteça novamente, de não conseguir escapar como da primeira vez."

Durante os resgates, Abel passou 19 dias sobre o viaduto que corta a cidade sobre a BR-116, incluindo seu aniversário de 50 anos. Ele retirou pessoas de suas casas, ajudou feridos e encontrou amigos e conhecidos mortos.

Segundo o governo do estado, o hospital de Canoas é o único que ainda não está funcionando em sua totalidade. Das 600 escolas atingidas pela enchente, oito seguem fechadas.

Por sua vez, a prefeitura de Porto Alegre disse que já estão em operação 173 dos 195 espaços públicos que precisavam de recuperação depois das enchentes, como escolas, praças, centros de saúde e espaços culturais, com alguns ainda em obras.

Economia em pedaços

Em novembro de 2024, os efeitos das enchentes foram calculados em R$ 88,9 bilhões por um estudo conjunto entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e o Banco Mundial.  

Pelas ruas de Mathias Velho, muitos prédios comerciais também permanecem fechados, e os proprietários viram os imóveis desvalorizarem. "A economia local também atinge o psicológico. Nós tivemos pessoas que perderam a vida depois da enchente. E muitas famílias ainda estão sendo assistidas e tentando se reconstruir", diz Abel.

O setor produtivo foi o mais afetado, concentrando 69% dos custos estimados. Dona de uma empresa de cortinas em Porto Alegre, Sinara de Paula e Silva chegou perto de desistir. O prédio do negócio foi tomado pela água até o segundo andar. Perderam-se todo o estoque, maquinário e equipamentos de informática. 

"Não sobrou um metro de tecido para a gente produzir. Eu pensei muito em abandonar o barco", ela conta. 

Já nas zonas rurais, a produção agrícola como era antes não vai voltar tão cedo. Na Serra Gaúcha, por exemplo, o solo dos pomares perdeu mais de 85% do estoque de carbono, componente essencial para a nutrição das plantações, e poderá levar até 40 anos para se recuperar, segundo estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Redes de solidariedade

Sair do buraco só foi possível para Sinara graças à rede de solidariedade instalada ao redor do estado. Os fornecedores da empreendedora flexibilizarem valores e prazos de pagamentos. "Isso me fez arregaçar as mangas e trabalhar de novo."

Enquanto isso, em Cruzeiro do Sul, um projeto liderado por empresários locais constrói residências num local seguro para quem perdeu suas casas. "As construções são arquitetadas por meio de doações da comunidade local e de empresários, e os interessados, atingidos pela enchente, devem fazer um cadastro para se candidatar para o recebimento de uma nova residência", explica a arquiteta Cássia Zart, que lidera o projeto. Hoje, há 178 famílias cadastradas.

Já numa popular cervejaria do Quarto Distrito, bairro em Porto Alegre revitalizado nos anos anteriores às enchentes com bares e restaurantes, demorou dois meses para terminar a limpeza. E mais um para retomar a produção. 

A combinação de novos investimentos, encomendas solidárias de várias regiões do Brasil e o lançamento de uma cerveja que homenageia o povo gaúcho e as vítimas das enchentes permitiu ao estabelecimento se recuperar. "A gente viu uma forma de trazer um pouco da história da gente e de todas as dificuldades que a gente enfrentou", diz Rafael Rodriguez, sócio da Cervejaria Alcapone.

Desafios geográficos e estruturais

As marcas d'água nas paredes e muros em inúmeros pontos da capital e outros municípios não deixam muita gente respirar totalmente aliviada.

Um fator que ajudou as águas a invadirem e inundarem tantas cidades numa escala tão grande e rápida foi a geografia montanhosa gaúcha. As chuvas mais intensas atingiram as regiões mais altas e de encostas íngremes.

O acúmulo de água fez com que os rios subissem e depois descessem montanha abaixo na bacia do rio Jacuí, que deságua no Guaíba, em Porto Alegre. No interior gaúcho, a proximidade das cidades, inicialmente estabelecidas por colonos europeus nos séculos 19 e 20, com os rios também aumentou a suscetibilidade. A Comporta 14, que deveria ter protegido Porto Alegre, romperia em 03 de maio por causa da força da água no Guaíba. 

Hoje, a estrutura, da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb), está em obras. À DW, a prefeitura de Porto Alegre afirmou ter encomendado um estudo de revisão sobre o sistema de proteção de cheias da cidade, que inclui diques, comportas e casas de bombas. O objetivo é apontar o que deu errado e como o sistema, estabelecido nos anos 1970, deve ser reconstruído.

"Eu não tinha medo antes. Eu sempre soube que tinha essas barragens acima de nós, né?", diz Rosângela Volpato, moradora de Muçum. "Mas hoje tem uma coisa que me incomoda e lá no meu íntimo me fala para não dormir. Porque você nunca sabe o que pode acontecer."

A prefeitura afirma também que todas as 23 casas de bombas, responsáveis por escoar a água da chuva em Porto Alegre, estão funcionando e que três comportas já foram fechadas com concreto. O mesmo deverá ocorrerá em outras quatro, e a rede de drenagem urbana foi limpa e restabelecida. 

O governo municipal ainda informou que as elevações de diques continuam e que um estudo para aumentá-los para uma cota de até 7 metros segue em andamento. Uma das dificuldades, diz a prefeitura, é a remoção de famílias que moram irregularmente em algumas áreas.

Alta vulnerabilidade climática

Em nota, o governo do estado reportou que mais de 90% das estradas e pontes afetadas pela enchente foram reabertas. Além disso, há intenção de construir mais de 1.300 casas temporárias em 40 municípios, fechando definitivamente os abrigos que ainda estão funcionando. O repasse de verbas para a construção de casas é feito em programas de moradias temporárias e para quem pode financiar, mas não tem condições de dar entrada para adquirir um imóvel.

Entretanto, críticos argumentam que os esforços são insuficientes para evitar novas tragédias. "Passado um ano, se chover a mesma quantidade de água, Porto Alegre vai inundar novamente, porque muito pouco foi feito", diz Rodrigo Lopes, jornalista gaúcho e autor do livro A Enchente de 24.

Desafios geográficos e estruturais

As marcas d'água nas paredes e muros em inúmeros pontos da capital e outros municípios não deixam muita gente respirar totalmente aliviada.

Um fator que ajudou as águas a invadirem e inundarem tantas cidades numa escala tão grande e rápida foi a geografia montanhosa gaúcha. As chuvas mais intensas atingiram as regiões mais altas e de encostas íngremes.

O acúmulo de água fez com que os rios subissem e depois descessem montanha abaixo na bacia do rio Jacuí, que deságua no Guaíba, em Porto Alegre. No interior gaúcho, a proximidade das cidades, inicialmente estabelecidas por colonos europeus nos séculos 19 e 20, com os rios também aumentou a suscetibilidade. A Comporta 14, que deveria ter protegido Porto Alegre, romperia em 03 de maio por causa da força da água no Guaíba. 

Hoje, a estrutura, da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb), está em obras. À DW, a prefeitura de Porto Alegre afirmou ter encomendado um estudo de revisão sobre o sistema de proteção de cheias da cidade, que inclui diques, comportas e casas de bombas. O objetivo é apontar o que deu errado e como o sistema, estabelecido nos anos 1970, deve ser reconstruído.

"Eu não tinha medo antes. Eu sempre soube que tinha essas barragens acima de nós, né?", diz Rosângela Volpato, moradora de Muçum. "Mas hoje tem uma coisa que me incomoda e lá no meu íntimo me fala para não dormir. Porque você nunca sabe o que pode acontecer."

A prefeitura afirma também que todas as 23 casas de bombas, responsáveis por escoar a água da chuva em Porto Alegre, estão funcionando e que três comportas já foram fechadas com concreto. O mesmo deverá ocorrerá em outras quatro, e a rede de drenagem urbana foi limpa e restabelecida. 

O governo municipal ainda informou que as elevações de diques continuam e que um estudo para aumentá-los para uma cota de até 7 metros segue em andamento. Uma das dificuldades, diz a prefeitura, é a remoção de famílias que moram irregularmente em algumas áreas.

em programas de moradias temporárias e para quem pode financiar, mas não tem condições de dar entrada para adquirir um imóvel.

Entretanto, críticos argumentam que os esforços são insuficientes para evitar novas tragédias. "Passado um ano, se chover a mesma quantidade de água, Porto Alegre vai inundar novamente, porque muito pouco foi feito", diz Rodrigo Lopes, jornalista gaúcho e autor do livro A Enchente de 24.

Já os cientistas explicam que esforços de reconstrução devem levar em consideração a vulnerabilidade gaúcha particularmente alta a novos eventos climáticos extremos. As construções antigas destruídas pela água não atendiam aos critérios necessários para serem consideradas resilientes aos desafios que hoje o estado enfrenta, enquanto um lugar simbólico do efeito das mudanças climáticas. 

"Em boa parte do Brasil se prevê que chuvas de curta duração vão aumentar como efeito das mudanças climáticas. Mas, no Rio Grande do Sul, tanto as chuvas de curta duração como as chuvas de longa duração vão aumentar, pelo impacto das mudanças climáticas", explica Walter Collischonn, hidrólogo do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Busca por soluções

Segundo o especialista, a minimização de impactos passa em grande parte pela construção e aprimoramento de estruturas, como barragens e diques, e pelo desvio e alargamento de rios. Mas, também, pela adoção de medidas de precaução para amortecer a escala de eventuais danos à vida humana

Dentre elas, incluem-se evitar casas, hospitais e escolas em zonas de risco exacerbado e desenvolver sistemas de monitoramento mais robusto para prever eventos extremos e orientar a população sobre como se proteger. 

Segundo a prefeitura de Porto Alegre, totens para prever chuvas intensas e desastres foram instalados com câmeras, alto-falantes, sirenes e sinalizadores, a fim de alertar a população em caso de emergência. 

Outro modelo frequentemente citado como inspiração para o Rio Grande do Sul é o das "cidades-esponja", que consiste em manter áreas com capacidade de absorção de águas a fim de evitar enchentes. 

"Porto Alegre está fazendo o que deveria ter feito há décadas: um estudo abrangente para fazer uma avaliação do sistema e saber o que precisa melhorar ou reforçar. Só que isso deveria ter sido feito antes da inundação", afirma Fernando Dornelles, também hidrólogo na UFRGS. 

Além disso, a psicóloga Simone Hauck, que conduziu o estudo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, reforça a necessidade de garantir cuidados de saúde mental especializada para emergências, bem como a capacitação de comunidades para apoiar os membros que convivem com sintomas do estresse pós-traumático. 

"A primeira coisa é a informação. O que pode acontecer? Como lidar com isso? A gente tem defendido que o poder público poderia se apropriar disso e disseminar [conhecimento] em todos os níveis", explica a especialista. "Para a resposta ao trauma e ao estresse pós-traumático, tem muita coisa que um leigo também pode fazer."

Após enchente histórica, Brasil continua sujeito a desastres

Dados evidenciam que a maioria das cidades não tem estruturas de defesa civil suficientes para responder a tragédias climáticas. RS teve poucos avanços após enchentes. Norte e Nordeste são as regiões mais vulneráveis.

No início de maio deste ano, enchentes devastavam o Rio Grande do Sul e evidenciavam o potencial destrutivo das mudanças climáticas. Na época, especialistas frisaram que, mesmo com a intensidade das chuvas, os impactos poderiam ter sido mitigados com mais investimento em defesa civil. 

Passados mais de seis meses desde a tragédia, a capacidade de resposta das cidades brasileiras a desastres praticamente não mudou, de acordo com dados compilados pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional no Indicador de Capacidade Municipal (ICM).

O ICM monitora quais cidades têm estrutura e organização para responder a emergências semelhantes às chuvas que assolaram o Rio Grande do Sul. O índice abarca 20 critérios, entre eles a existência de um mapa das áreas de risco, a identificação de famílias vulneráveis e o funcionamento de sistemas de alerta.

A partir dessas informações, e considerando também fatores como tamanho da população e histórico de desastres em cada município, o ICM classifica as cidades em quatro categorias. Aquelas com melhor gestão de riscos ficam na categoria A, enquanto as menos preparadas ficam na categoria D.

No levantamento de junho de 2024, um mês depois das enchentes, o ICM indicava que 1.625 (29,1%) das 5.570 cidades brasileiras estavam na categoria D;  2.196 (39,4%), na categoria C; 1.268 (22,8%), na categoria B, e apenas 481 (8,6%), na categoria A. 

A atualização mais recente mostra que pouco mudou desde então. No final de setembro, ainda havia 1.625 cidades na categoria D; 2.191 na categoria C; 1.271 na categoria B; e 483 na categoria A – praticamente a mesma proporção que no levantamento anterior.

Após tragédia, poucos avanços práticos

Victor Marchezini, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), questiona alguns dos critérios escolhidos para classificar as cidades no ICM.  "Não estão claros os critérios técnico-científicos que levaram à escolha dessas variáveis", diz.

As poucas cidades que melhoraram de categoria, entre junho e setembro, após a tragédia no Rio Grande do Sul, implementaram apenas um ou dois novos mecanismos de gestão de risco, muitas vezes de ordem burocrática, como documentos e cadastros.

A cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul, é um exemplo. No levantamento de setembro, o município passou da categoria C para B. Entretanto, isso aconteceu graças a uma única mudança: a prefeitura ativou sua conta no sistema nacional de informações sobre desastres, usado para comunicar o governo federal quando uma tragédia ocorre.

O município, que fica na fronteira com o Uruguai e sofre com enchentes frequentes, segue sem medidas como um plano de contingência para desastres, um cadastro das famílias em zonas de risco e um sistema de alerta antecipado.

São Borja não é uma exceção. Todas as novas medidas reportadas pelos municípios desde junho envolvem a capacitação de servidores, a elaboração de documentos ou o cadastro no sistema de informações do governo federal. Nenhuma mudança envolve procedimentos práticos, como programas de habitação social ou mecanismos de drenagem.

No Sul, cidades afetadas por enchentes seguem despreparadas

Devido às enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, o estado decretou calamidade pública em 46 cidades. Na prática, o decreto de calamidade pública reconhecia que esses municípios estavam diante de uma crise grave e precisavam de ajuda urgente de outras esferas do governo pois não tinham como lidar com a tragédia sozinhos.

Ainda hoje, a maior parte dessas 46 cidades não têm políticas concretas para diminuir os danos em uma nova crise. Apenas 18 afirmam contar com sistemas de alerta antecipado, por exemplo. Só 22 têm programas para monitorar e vistoriar áreas de risco; 11 têm um cadastro de famílias vulneráveis; e 17 contam com programas de habitação social para pessoas que precisem ser realocadas. 

No extremo da falta de estrutura, estão cidades como São Jerônimo, às margens do rio Jacuí, que não conta com nenhuma medida de mitigação além de ter órgãos de Defesa Civil ativos e fornecer algum orçamento para o tema. 

Isso acontece apesar de São Jerônimo ser a cidade que mais teve situações de desastre reconhecidas pelo governo federal entre 1991 e 2023, de acordo com o Atlas Digital de desastres no Brasil, publicado pela Secretaria Nacional de Defesa Civil. 

Foram 28 registros no período, com danos estimados em aproximadamente R$ 25 milhões. O número de desalojados ou desabrigados chegou a 28 mil – o que leva em conta quem teve de sair de suas casas mais de uma vez no período e, por isso, resulta num número maior que a população atual do município, de 21 mil habitantes.

Para Marchezini, do Cemaden, há pouco acompanhamento da reconstrução desses municípios, e pouco se sabe sobre quais lições foram aprendidas pelos gestores públicos durante a tragédia. 

"Eu não conheço nenhum estudo que tenha avaliado quais foram as lições aprendidas pelos governos municipais, estadual e federal", diz Marchezini. "É muito importante que a gente tenha financiamento de pesquisas que revisitem esses municípios e ajudem a entender as fragilidades e potencialidades antes do desastre."

Norte e Nordeste mais vulneráveis

Ainda que a tragédia recente no Rio Grande do Sul tenha chamado a atenção para a falta de resiliência das cidades brasileiras, o Sul é a região do país onde há mais cidades bem avaliadas no ICM.

Aproximadamente 14% dos municípios do Sul estão na categoria A, o das cidades mais bem preparadas. O Sudeste tem um percentual semelhante de cidades na categoria mais alta (12%), e a realidade é ainda pior no Centro-Oeste (6%), no Norte (4%) e no Nordeste (4%).

Isso significa que essas regiões, que já têm indicadores econômicos e sociais menores, estão ainda mais vulneráveis no caso de um evento climático extremo. Em 2021, a Bahia, por exemplo, foi atingida por chuvas que afetaram cerca de 500 mil pessoas em dezenas de cidades. No estado, quatro de cada dez municípios está na categoria D, a de menor preparo.

Atacar causas dos desastres

Para Marchezini, o Brasil tem um problema adicional, além da falta de capacidade de resposta das prefeituras: o modelo de desenvolvimento do país, que causa grande impacto na natureza e aumenta os efeitos de eventos climáticos extremos.

"Não adianta investir num aparelhamento das defesas civis, se as causas dos desastres não têm sido atacadas na raiz", diz o pesquisador. 

"Não tem como pensar em redução de risco de desastre se não pensarmos em políticas que busquem reduzir o desmatamento, recuperar as bacias hidrográficas, lidar com consumo das águas, inclusive as subterrâneas, e com a qualidade delas", afirma.

Fonte - BBC – Fotos: Divulgação - Postado por Redação